domingo, 25 de janeiro de 2015

Discussão: "Tête-à-tête", Hazel Rowley



Feminismo e Existencialismo. Café de Flore. Castor. Paris. Amor e Liberdade. Inferno e Amor.

Joguei palavras soltas que invariavelmente nos remetem ao casal Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre e é a partir delas que pretendo falar sobre o maravilhoso “Tête-à-tête”, de Hazel Rowley, a biografia desse relacionamento. Antes do meu encontro com o livro sabia pouco a respeito da dinâmica entre eles a não ser o que é de conhecimento público para aqueles que já flertaram com o existencialismo em alguma época da vida: Beauvoir e Sartre mantinham um relacionamento aberto e falavam tudo sobre as relações paralelas que mantinham um ao outro. Tinham um pacto entre eles de sinceridade absoluta. Esse pacto não era muito bem visto pelas outras mulheres e homens com quem o casal se relacionava. Sabia também que entre os dois surgiam problemas em relação a essa sinceridade, mas nada que abalasse a união emocional e intelectual do casal. Os dois precisavam um do outro para produzir e era das conversas e debates que surgiam algumas importantes ideias. Era no “Tête-à-tête” que ambos se realizavam e não podemos saber o que teria acontecido com a literatura e filosofia que foi concebida por Simone e Sartre se o encontro não tivesse acontecido. O livro da Hazel corroborou tudo isso que eu já conhecia e me fez ir além ao mostrar as dificuldades enfrentadas principalmente no papel que cabia a Simone.

Sentia que, para as mulheres, o amor tinha um custo, e que havia uma parte dela que provavelmente nenhum homem jamais aceitaria. “Falo do amor de forma mística, sei o preço”, diz ela. “Sou muito inteligente, muito exigente e muito engenhosa para alguém ser capaz de se encarregar completamente de mim. Ninguém me conhece nem me ama completamente. Só tenho a mim”. (pág. 34)

Desde o início do relacionamento Sartre diz a Simone que não está interessado em monogamia e que o amor entre eles era essencial e fundamental pois eram o duplo um do outro mas que isso não os impedia de ter “casos contingentes”. Estariam livres de ciúmes se contassem absolutamente tudo em uma espécie de transparência absoluta. Essa ideia, que se encaixa na filosofia existencialista sistematizada posteriormente, parecia excitante à primeira vista se não fosse a diferença que existia (existe) no tratamento dado a homens e mulheres: para Sartre seria a continuidade de uma situação já conhecida, para Simone seria a luta contra todo o preconceito de uma sociedade. Ela aceita, causando uma certa surpresa ao próprio Sartre. Estavam estabelecidas as bases desse relacionamento que perduraria por toda uma vida.

A força de Simone nesse primeiro momento é palpável durante a leitura, provavelmente fruto da admiração que a biógrafa sentia por ela. Assim como o incômodo produzido com as atitudes de Sartre. Enquanto para ele as coisas aconteciam de forma natural, ela precisava se adequar àquela ideia. E como eu comecei a me incomodar demasiado com Sartre parei e me questionei: se ele estava agindo de acordo com a sua teoria ("o homem está condenado a ser livre") então porque eu sentia raiva dele e compaixão pelas outras mulheres com as quais se relacionava? Talvez por que a liberdade existencialista que ele propunha só fosse possível em uma sociedade igualitária? Acho que tem a ver com isso e também com as outras pessoas que compunham a vida dos dois. Mulheres nas quais era facilmente identificável alguma fraqueza ou ausência, que ficavam felizes em receber atenção de um homem como ele. Claro que em uma relação como essa existem os ganhos secundários também por parte de quem se envolvia e aceitava ser um caso contingente. Mas me pergunto se era possível enxergar as regras com a transparência que a situação exigia. Vale lembrar que enquanto os relacionamentos amorosos de Sartre com outras mulheres eram de conhecimento da maioria, os de Simone com outros homens precisavam ser mantidos em sigilo pois eles eram casados com outras mulheres. Esse é um ponto para discussão. 

Hazel ressalta a colaboração intelectual que acontecia entre Sartre e Beauvoir e para mim esses são os momentos mais emocionantes do livro. Não pude deixar de pensar em outros casais onde uma das figuras (normalmente a masculina) condenava a outra ao ostracismo. Ao lado de Sartre, Simone pôde ser livre intelectualmente e talvez essa tenha sido a principal razão que os uniu por tanto tempo: experimentar as possibilidades que um diálogo honesto proporciona. Esse pacto tinha raízes na liberdade de poder escrever principalmente sobre a sua própria vida e transformar aspectos não tão agradáveis em ficção. Em outros momentos de sua vida Simone teve a possibilidade de ter uma relação monogâmica mas preferiu permanecer ao lado de Sartre. Essa escolha não implica a falta de sofrimento, como vimos em algumas cartas que ela escreveu para outros de seus pares. Mas isso não retira a legitimidade dessa escolha como pude ver em algumas críticas ao relacionamento Beauvoir-Sartre.

Nas relações que tiveram, Sartre e Beauvoir nunca deixaram de viver como escritores. Era um engajamento total, todas as horas do dia. Prometeram contar “tudo” um ao outro, nos mínimos detalhes. Transformar a vida em narrativa era talvez seu prazer mais voluptuoso (pág. 11)





Esses são apenas alguns aspectos contidos na história do relacionamento entre Sartre e Simone de Beauvoir. O objetivo desse post é abrir uma discussão que acontecerá de forma mais aprofundada no fórum vinculado ao blog, para participar é só clicar aqui , fazer o registro e participar. 


quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Sobre a representação feminina na literatura


Uma singela pesquisa para entender a importância de diversificar a leitura e como ela muda o olhar sobre a vida. Até o começo do século XX a maioria dos livros eram escritos por homens, então a representatividade feminina era baseada no olhar que esses homens tem da mulher. Em grande parte desses livros a mulher está associada à loucura e à morte (li Dostoiévski recentemente e apesar de ter amado o livro com toda a minha alma não pude deixar de notar essa especificidade). A mulher que lia esse livro, por não ter uma outra espécie de representação, aceitava aquele papel. E essa é uma visão que ainda temos em muitos dos comentários machistas que circulam por aí... Algo semelhante acontece no racismo e na representatividade das diversas minorias. Uma menina que cresce tendo ao seu redor bonecas que reproduzem um estereótipo vão em busca disso na vida adulta (e aí você considere todas as implicações e infelicidade que isso traz). Essa restrição da literatura a personagens homens, brancos e de classe média só repetem essa cultura da opressão. E os movimentos de diversificar a leitura acontecem nesse sentido, enxergar além, perceber que existem outras realidades e outras pessoas que devem ser representadas. 

Literatura como tudo na vida é um ato político. Você não lê apenas o que você quer, você lê o que chega até seus olhos. Dizer que não tem sentido mexer e questionar esses padrões é a mesma coisa que dizer: está tudo bem, nada precisa mudar! E essa pesquisa nos mostra que muita coisa precisa mudar!