quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Mal-entendido em Moscou

Talvez seja possível, e igualmente ou mais interessante, percorrer as páginas da novela “Mal-entendido em Moscou” à margem do trilho autobiográfico que costuma conduzir a obra escrita por Simone de Beauvoir, mas minha leitura foi naturalmente guiada pela leitura recente do livro "Tête-a-Tête", uma biografia da história, e das histórias - entre as quais estão incluídas as passagens por Moscou - vividas por Simone de Beauvoir e Sartre.

No livro "Tête-à Tête", Hazel Rowles diz que os leitores frequentemente se desiludiam com a Simone antevista na ficção produzida pela filósofa e escritora que, de alguma maneira, assumia, através das personagens que a representavam, inquietudes assinaladas como tipicamente femininas. No entanto, o que muitos consideravam ou consideram como falha ou faqueza é precisamente o que a autora expõe de mais interessante sobre si.

Nicole, a personagem que seria Simone, no triângulo romântico que, tornado ficção, transforma Sartre em André e a tradutora russa com quem ele viveu um romance em filha do personagem que o corresponde, é uma mulher aparentemente realizada, mas insegura diante das transformações inevitáveis trazidas pela passagem do tempo. A partir de um encontro com Macha e dos acontecimentos provocados por esse encontro, Nicole passa a questionar as próprias escolhas e  o modo como enxerga a si e à própria vida. Da preocupação com o peso e com a aparência ao excesso de zelo com companheiro e com o filho, Nicole sofre questionamentos que, ainda hoje, afligem muitas de nós.

Habituados à imagem da Simone imortalizada pela coragem e pela intelectualidade, talvez os leitores daquela época, e os leitores de hoje, tenham encontrado dificuldade em aceitá-la, espelhando-se em ficção, como uma mulher considerada normal.

Mais que de mitos, a escrita e os livros precisam de boas histórias. Simone de Beauvoir, além da coragem de expor os pensamentos que marcam a história do feminismo e do existencialismo, viveu muitas boas histórias que soube, e pôde, contar. Mal-entendido em Moscou Simone de Beauvoir 144 páginas Editora Record
  O livro Mal-entendido em Moscou foi debatido no primeiro encontro do projeto #leiamulheres em Itapetininga, que aconteceu em novembro de 2015, e acontece mensalmente em diversas outras cidades brasileiras.

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